Para o desfile de 2013 a escola de samba Beija-Flor escolheu para o enredo o mangalarga machador. Um samba marchado, cavalgado, é a coreografia da porta-bandeira Selminha Sorriso e do mestre sala Claudinho. A tropa que a Beija-Flor vai levar para avenida está sendo preparada a todo vapor nas oficinas da escola. O regulamento não permite animal vivo, então muitas réplicas do marchador estão sendo esculpidas.
Maguid Shaat, presidente da Associação dos Criadores do Mangalarga Marchador, tenta emplacar a raça como enredo da escola Beija-Flor há anos. Ano passado perdeu para o Maranhão; no retrasado, para o Roberto Carlos. Finalmente conseguiu a parceria. O projeto deste ano é ousado, o patrocínio da escola vai custar R$ 6 milhões. Em compensação, é um evento que vai ser visto em 120 países.
O valor do patrocínio não é tão elevado, quando comparado com o valor que o setor fatura anualmente. Não se admire em ver o campo patrocinando a cidade considerando, além dos marchadores, as inúmeras raças que se tem, o setor do cavalo é um dos fenômenos da nossa economia. Fatura mais de R$ 8 bilhões por ano. Segundo levantamento da Confederação Nacional da Agricultura gera 600 mil empregos, quatros vezes mais do que a indústria automobilística, por exemplo. Acima dos negócios, porém, flutua o encanto de um sentimento que vem lá dos tempos da caverna: a paixão pelo cavalo relata Maguid Shaat.
O cavalo mangalarga é descendente em linha reta das tropas que no começo de 1800, Francisco Antonio Diniz Junqueira trouxe do Sul de Minas para a região onde prospera hoje Orlândia, vizinha de Pontal.
Diego Gabriel, de seis anos, nasceu com Síndrome de Dow e diabetes. Ele faz equoterapia na fazenda Vassoural, município de Pontal, região de Ribeirão Preto, São Paulo. O andar do animal transmite uma infinidade de estímulos que favorecem tanto a parte física como a emocional e intelectual do praticante. Rildo Silva e Maria das Dores, pais do Gabriel, dizem que a vida do filho é outra depois de um ano de tratamento. Os cavalos que encantam o Gabriel e tantas outras crianças com necessidades especiais são da raça mangalarga.
O neto do fundador de Orlândia, Gilberto Diniz Junqueira, da Fazenda Boa Esperança, explica que alazão é o nome que se usa para descrever o animal castanho com a crina da mesma cor. Se a crina é preta, fala-se simplesmente castanho. No todo, predomina uma pelagem puxada ao ruivo. Durante um tempo, as tropas de Minas Gerais e de São Paulo eram praticamente as mesmas, mas no começo do século 20 o mangalarga paulista passou a cruzar com cavalos europeus, especialmente o puro sangue inglês. Ganhou mais porte, ficou mais atlético e ligeiramente mais alto que o mineiro. A marcha, por conta da infusão do sangue europeu de trote, se modificou. Os técnicos dizem marcha trotada.
Atualmente a caçada é proibida, mas houve um tempo em que até o Presidente da República ia caçar veado. Em Cruzília, no recém-inaugurado Museu do Mangalarga Marchador, o mangalarga mineiro, existe fragmentos de imagens de caçada. A seleção do animal não se deu só por boniteza, mas por função, que ia além da lida do gado. A caça era uma tradição da família Junqueira. Em Orlândia, Gilberto comenta que os morros de Minas exigiam um tipo de cavalo; já para o cerrado paulista, mais plano, mais aberto, foi desenvolvido outro tipo, mais ágil, mais veloz. A caça foi o que fez diferença no tipo de esportividade do animal.
Outro esporte que usaram por décadas o mangalarga é o polo, um esporte de risco, bonito e tenso que exige muito do cavaleiro, que na mão esquerda tem que segurar duas rédeas mais o chicote, e na direita levar o taco de bambu; e do cavalo, que precisa ser esperto para girar, fazer paradas repentinas e galopar forte. Nas disparadas atrás da bola, passa dos 50 km/h. Hoje, as tropas de polo são formadas por cavalos ingleses e argentinos. Compartilhando o mesmo espaço de homenagem, honram também a lembrança das éguas e dos garanhões que a família produziu. O mais famoso é o Colorado que deixou uma penca de descendentes. A busca da origem é uma obsessão na família. Um fichário registra, desde 1826, os reprodutores usados na formação da raça e as proles que deixaram.